N'água e na pedra amor deixa gravados
seus hieróglifos e mensagens, suas
verdades mais secretas e mais nuas.

"Entre o ser e as coisas"
Carlos Drummond

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

...surpreendi-me, atravessando o passo lento do escurecer, na transparência de um velado panorama, silhueta de concreto erguido, lado a lado, numa composição terrível e sublime, elevando sua face prateada e concisa ao pico em que me encontrava; sentado no cerne do noturno, silêncio débil cortado por desgarrados automóveis, luzes amarelas de rua em contraponto com janelas acesas como estrelas num céu de sono. Eu via homens, no desagasalhado embaraço do sonho, entranhas expostas à minha inquisição; juiz provecto esclarecendo-se úlceras na iluminação da senilidade, denotando espelhos no sangue e no sal, pousando o martelo ardiloso e infame como oferta aos ventos que virão. Mulheres, desacorrentadas das dúbias oscilações de errantes fantasmas, cantando a alma como adesivos foscos no fogo de uma tocha; abrindo, à semelhança de virgens em um rio, a subscrição dolorosa da desconfiança, expunham-se, num amálgama de hesitação e ousadia, aos abismos de que se fariam luz. Um cheiro de vida exalava da cidade como de um vale, umidade de gritos e suor abafado, estertores orgulhosos do viço de suas chagas; lágrimas curando desnorteios como crustáceos imergindo, risos apertados entre ar cálido e cílios resvalando. Eu sorvia a madrugada como sentinela do desvario dos seres, ensaiando o sereno no pausado movimento das minhas cismas...

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