N'água e na pedra amor deixa gravados
seus hieróglifos e mensagens, suas
verdades mais secretas e mais nuas.

"Entre o ser e as coisas"
Carlos Drummond

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

...finjo não acreditar nas palavras que colho da sua boca em flor etérea, melodias resvalando o quase da borda dos meus tímpanos; num ilusionismo barato e sem efeito, deleito-me no fantasma do seu olhar terno a recitar versos de amor. Como Marcel, educo-me nas neblinas solertes do que há pouco me escondia: o que lhe atribuo, num assédio de resfôlego e desrazão, jamais virá-me de você, e assim me desespero. Espera ingrata seria, furor desmedido arrebatando todos os dedos e as solas dos meus pés, não restaria derme, tudo de que me visto desfazendo-se em poeira que secretasse de cavidades agonizando. Não foi a sua voz, que primeiro de tudo ouvi, não o rosto, não o acanhado corpo a velar tanto viço e tanto fogo; foi a música, foi você me esperando, foi a face pressentida do seu aguardo na plateia, figuração estrangeira de um baixo-relevo que me vive ainda. Foi a separação. O adeus estampado nas fibras resolutas das suas lágrimas, o olhar dançando como ventania no horizonte, maldito longe desabando certeiro sobre o tênue cristal dos nossos dedos enredados. O vermelho do que pulsa e do que dói, do que dá a vida ou a destrói, os rastros viscosos das antigas carícias de cetim, dissimulados pela areia espessa da juventude que se esvai, súbito revolvem meus órgãos transbordando nos olhos que não te veem mais: rio sinuoso a marulhar no oceano escuro do esquecimento que reluta em vingar. Escapo-me de remates, não me despeço agora do que ensaio na cratera da sua eterna passagem: amanhã é noite sem lua, esparramo a falta no próximo céu distante e claro...

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