N'água e na pedra amor deixa gravados
seus hieróglifos e mensagens, suas
verdades mais secretas e mais nuas.

"Entre o ser e as coisas"
Carlos Drummond

domingo, 30 de setembro de 2012

Arfando serena, ela investe e escapa

Eu te vejo, feita de ar.

Te respiro, enquanto transpiro, brasa macia a te roçar os resistentes contornos, meus pelos te crestam e sua diáfana pele se marca, em tatuagens invisíveis, nada que não suma se escolher invocar as impressões dos meus úmidos dedos, escalpelando as vigorosas pegadas da experiência, dos átomos de fluidos se chocando na agonia do salto e do mergulho.

Não demando o insano culto às folhas reintegradas à terra, sob os dedos do pé empinado, a erguer altares a ventos fenecidos, reverências retroativas moldando rostos compostos de imagens precárias arrojadas em telas etéreas e imprecisas, no interior de afetivas concatenações de brevidades há muito evanescidas, em presentes viços, a alimentar percalços coronários e sangue fatigado circulando.

Não escorregue, porém, a nutritividade dos fios novelados, para o ímpio fogo a soprar poeira esculpida, fina como a eletricidade das células cerebrais, desfazendo everestes, até a horizontalidade de uma calmaria funérea.

Olhos e ouvidos, e todos os sentidos, perplexos nos escombros da incerteza, rumam inermes para chuva e areia, engolfados no incessante câmbio de posições e consistências, jogo de clarão no breu, risco de respiro, invisível tinta sob a derme.

Eu te vejo, feita de tempo,
enquanto, leve, meu ser e falta movimento.

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Não há muros que protejam festas ao ar livre

Palavras
em mesmerizante brisa
a exalar de carbono
monóxido,
ganhando aroma de nobreza,
suando
reses encilhadas
na ignorância arquitetada,
urdida nos porões a céu aberto
de arranhantes coberturas,
em que uísque e água
demarcam, em clareza dissimulada,
sua distinção, contraste sujo,
com a secura inane,
a fome sem norte,
e a miopia deslumbrada.

Faíscas aguardam
enquanto o oxigênio arregimenta
a precipitação
de lágrimas torrencias,
filhas da beleza
do nítido amanhecer.

Explosões molhadas
tornam bolsas em mochilas,
balbúrdias em diálogos
e ferimentos mútuos
no aprendizado difícil da ideia
e do convívio valorado.

Sob lânguidos uivos,
sedentos sulcam emaranhados
cortando vias improváveis,
no estertor da brasa,
pés queimados cicatrizando
na lida, quiçá malograda,
necessária
como veias desimpedidas.

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Entranhas expostas dão boas canetas

Não adianta chorar
as vísceras
de um destino torto,
esparramadas
pelo vidro translúcido
que se desfaz, rugoso
e paciente,
em umidade opaca.

Mais vale
limpar,
separando o sangue
para escrever,
com outra
caligrafia,
letras
organizadas
em renovada
disposição.

sábado, 15 de setembro de 2012

A lama espera o vento sem suspeitar

As ações de todas as chuvas
não enterram os crimes,
as pistas ocultas na derme,
subjacências oleosas
sujeitas a raios suspeitosos
de eletricidade
a carbonizar pelos e camadas.

Trôpegos humanos,
bêbados de iniquidade,
banhando o dorso e a face
na lama
restante de detritos
de cegas implosões de madeiras
duras e curtidas.

O asco
de sangue marrom
não evapora
sob o branco, carente
de substância real.

O fétido olhar
maculado de cores fanadas,
as mãos lisas
escorregando em pães e pentes,
solfejando intrigas
qual orfeus desalmados,
enxergando nas cabeças nuas
pedras por onde o rio
se atravessa.

À vil ilusão
da eternidade de todas as formações
materiais,
de um controle certo
de carnívoras plantas
e armadilhas insurretas,
os mosquitos zunem pompas,
declaram límpidas entranhas,
ferrões doces de algodão verde-rosa,
em sucções descansadas
que alimentam sem nutrir
e agradam na
inanição.

O tempo fecha de novo,
ventos arregimentam.

Não tarda o ciclone,
séculos são dias:
um furacão providencial
é o aprendizado de
uma vida.

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

escorregando arranha-céus

números perdidos
em bolsas
(abstrações)
entre confusão
de chaves
rasgadas
e lenços
afiados

frenesi
de simbioses
hipertensas
com painéis
e matemáticas
escusas

nas ruas
derrapando tumultos
faixas
com letras de ordem
sufocadas
nos gases e nas lágrimas

exalando
(contra) choques
e hífens
vermelhos

fatigadamente
a ociosidade sangra
ingratos quadrados
em papel-jornal
evaporando
joelhos drenados

num círculo
resistente a desvios

mochilas
leves
de pesadas
crianças
refreando
no vazio
discretas
revoluções

homens
sem reflexo
calculando
(mercados)
futuros
suicídios

enquanto zigotos
incautos
esperam
a sua vez

novas tentativas
se seguem
até acertar
(quão distante)
o propósito
de todas
as ações

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

não basta cortar as mãos com cacos de vitral

afogar-se
em gotas de orvalho
no sereno temerário
deglutir
gérmens trincados
de peças de brinquedo
despir-se
de esguelhas e tecidos
na chuva horizontal
talhar a garganta
de asfixias esculpidas
com soluços inflamados
expor os tímpanos
ao trinar dos peixes
das trevas abissais

ou impunemente
mirar o sol
no raiar do meio-dia

(nenhuma explosão
é capaz
de desmontar
a desabrochada
engrenagem
que passa
sem se explicar)