N'água e na pedra amor deixa gravados
seus hieróglifos e mensagens, suas
verdades mais secretas e mais nuas.

"Entre o ser e as coisas"
Carlos Drummond

quarta-feira, 25 de abril de 2012

As feridas querem olhos que as penetrem docemente

Eu cheguei em você
e te vi,
despida não em corpo,
mas no desenho dos astros,
no céu do seu sol nascido
aquela hora.

Era daqui que te via,
e como poderia ser de outro lugar,
uma pergunta de resposta clara,
mas que de tão importante
se faz preciso realçar.

O que vi, de imediato,
foi sua busca por si mesma,
uma ânsia de descoberta
até então impressentida,
mas que agora, em combustão
interna, te queimava sem clemência,
convencendo, impassível, qualquer
incerteza, com persuasão que só você
poderia portar, penetrando
habilmente todas as células,
tornando quase instantânea
a resolução de se arriscar
na temerosa jornada.

Você foi, numa súbita injeção,
inundada por uma compaixão inquieta
que te apresentava feridos
onde esperava oponentes,
até se dar conta
de que se deparava consigo,
suas próprias armas voltadas, tétricas
e solenes como medievais espadas,
contra a pele tenra das suas vulnerabilidades
mais recônditas e preclaras.

Tomada por ímpetos revolucionários,
investiu na palavra como a força criativa
dos recursos regeneradores,
num combate árduo que te misturava
em amante, em fera, em sábia, em ouvinte
de uma voz imprevista que te seduzia,
amealhando os tangíveis valores
da alegria cálida, abertamente celebrada.

Num clarão imponente,
esgotando as forças
dos meus olhos exíguos,
contemplei em você o amor,
derrubando irredutível os muros
das feridas zelosamente guardadas,
e, a salvo do traço incisivo
de todos os olhares,
se revelava a aventura,
com pontes invisíveis
sobre terríveis abismos,
vida, loucura e morte espreitando
nas cavidades suscetíveis do êxtase
mais visceral, dilemas hercúleos
de ardentes figuras que,
sob o toque úmido e frio
da confiança e da razão restauradas,
apresentavam as mãos fechadas que,
aguardando com paciência escassa,
sujeitavam-se ao seu aceno,
prontas para abrir.

Cego e sereno,
não pude inteirar-me
de sua escolha,
mas parti levando a felicidade
de deixar-te entregue a si,
como sempre firme, como sempre bela,
agora prenhe e fortalecida,
na lucidez de quem conhece, cuida
e dá o valor devido
às cicatrizes e feridas.

Um comentário:

Anônimo disse...

Este poema é muito mais do que aquilo que a poesia pode fazer sentir nesta alma que o leu e o lê tantas vezes. Este poema é blindado à intromissão de olhos que o não olhem docemente.
Extraordinario como se fotografam feridas, através de palavras que se tornam quase imagens.