N'água e na pedra amor deixa gravados
seus hieróglifos e mensagens, suas
verdades mais secretas e mais nuas.

"Entre o ser e as coisas"
Carlos Drummond

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Lubricidade

Ele não queria um espetáculo. Não lhe eram agradáveis os infames liames do incesto, ele que não tinha família, sequer vestígios, mas aquela mulher era seu sopro, seu ar, seu vento, o que restaria após uma noite rasgada na carne da ânsia, labareda de tora escassa.

Era bem de seu feitio evaporar-se abandonando cinzas, como um vitral descolorido numa janela de maçonaria. A abundância de aliciantes melodias, untadas com quimeras sorrateiras, dava-lhe a qualidade das ninfas revestidas de purpurina roxa e adesiva.

Ele, como folha de papel vermelho vivo, proporcionava à sua cola de brilhos uma superfície plana, logo porosa e sulcada por ranhuras ásperas em que suspiros sangravam.

Afinal, chegou ao intento de estourar por si mesmo aquelas bolhas de sabão que insistiam na manutenção de sua integridade iludida, antes que sua explosão espontânea configurasse uma hecatombe para sentidos semialertas.

Não lhe importavam as ruas escorregadias agora. Na companhia do nada, sentia o resiliente pulsar de seu coração, físico, material, inteiriço, composto organizado de química e eletricidade, e toda a vasta fisiologia que lhe permitia andar sob a noite que suas córneas registravam.

Subindo ladeiras, encontrava a si mesmo no espelho do asfalto molhado. Exposto ao céu nublado caindo como conta-gotas, seus cabelos se ondulando nas fissuras de seu rosto, era um prazer recriado a inalação do sereno em seus pulmões, e nada lhe faltava mais no manso cavalgar da madrugada.

Nenhum comentário: