N'água e na pedra amor deixa gravados
seus hieróglifos e mensagens, suas
verdades mais secretas e mais nuas.

"Entre o ser e as coisas"
Carlos Drummond

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Belo Horizonte

Uma cidade
não é apenas
uma cidade

ela está tanto nos discursos
nas mentes
quanto nos prédios
e esquinas

As ruas
onde em becos desenrola

não é uma novela das oito

parece mais o cronicamente inviável
ou outro filme
que vi no Belas

“não é um cinema fino?”

ouvem-se disparos
“da polícia?”
“do bandido?”
“do menino?”

e naquele mesmo beco
um herói anônimo
respira pela última vez

Tinham-lhe dito
que o crack
era uma mesmice inquietante

como um relâmpago
no edifício desolado

em uma noite perdida
como a serpente

“descer bahia,
subir floresta”

como poderia eu
ver a cidade
sem meus próprios olhos

“sempre que vou a uma cidade”
dizia ele
“tenho que ir ao cinema”
é um modo de conhecer

porque se eu morasse ali
iria ao cinema

faria compras
abasteceria o carro
pagaria contas

“sempre que vou a uma cidade”
dizia ela
“tenho que ser assaltada”
é um modo de conhecer

porque se eu morasse ali
seria assaltado

iria a um bar arrumado
sentaria num banco de praça
beijaria uma boca nativa

Em minha cidade
já fiz tudo isso

“descer floresta
subir bahia”

é uma vertigem
cercada de montanhas
por todos os lados

e os engenheiros

foi onde ouvi
minha primeira música
esquecida

quando meus ouvidos
eram puros

e meu grito
como o som de muitos mares

onde andei
no 9101

em que eu costumava anotar
todas as minhas impressões
num caderninho

e chegava na francisco arantes
com perfume de dama-da-noite

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